Vital Health (VH) | O cancro do cólon e reto é um tumor maligno que afeta o intestino grosso, sendo a 3.ª causa de morte por cancro em todo o mundo com cerca de 1,4 milhões de casos novos. Porque é que este cancro tem uma incidência tão grande?
Rosa Ferreira (RF) | De facto, o cancro colorretal (CCR) é a primeira causa de morte por cancro em Portugal, sendo responsável por 11 mortes por dia. A elevada incidência do CCR prende-se com a conjugação de diferentes fatores. Desde logo, os fatores de risco associados ao CCR, como sendo os fatores ambientais, genéticos e doenças concomitantes, como as doenças inflamatórias do intestino (DII). Destacam-se os fatores ambientais, que são facilmente encontrados numa grande parte da população e dos quais fazem parte o sedentarismo, a obesidade (estima-se que em Portugal 50% da população tem excesso de peso), o abandono da dieta mediterrânica pela cultura do fast-food, o tabagismo e alcoolismo. Se olharmos para o ambiente em que vivemos, para o estilo de vida que levamos e para as escolhas que fazemos, facilmente percebemos que o CCR poderá afetar qualquer pessoa. A elevada incidência do CCR está, por outro lado, relacionada com a inexistência de um programa de colonoscopia de rastreio efetivo, que permite não só diagnosticar, mas também remover as lesões pré-malignas, genericamente designadas de pólipos, alterando, desta forma, a história natural da doença. O rastreio é, de facto, a grande arma que dispomos no combate da incidência do CCR e todos os esforços devem ser feitos no sentido de elaborar um programa de rastreio nacional. Para tal importa não esquecer a importância de alertar e sensibilizar a população em geral, pois só assim conseguiremos alterar estes números avassaladores de sete mil novos casos de CCR por ano em Portugal.
VH | Apesar dos múltiplos avanços da Medicina, a mortalidade deste cancro após cinco anos do diagnóstico aproxima-se dos 50%. Quais as razões para uma mortalidade tão elevada?
RF | Embora a taxa de mortalidade a médio e longo prazo destes doentes não seja a ideal, tem-se assistido a progressos notáveis quer nas estratégias de tratamento adjuvantes, quer no aprimorar das técnicas cirúrgicas e endoscópicas. No entanto, o principal motivo para essa taxa está a montante. Isto é, está no atraso do diagnóstico, em que o CCR é diagnosticado numa fase avançada, com um prognóstico reservado. Isto prende-se com a incapacidade de montar rastreios de base populacional organizados, que são comprovadamente custo-eficazes. O rastreio através da colonoscopia efetuado à população assintomática permite não só diagnosticar o CCR numa fase mais precoce, com melhor prognóstico, como também remover as lesões potencialmente malignas, impedindo a sua progressão para cancro.
VH| Quais os sintomas mais comuns deste tipo de cancro?
RF | Uma percentagem considerável de utentes, especialmente quando o diagnóstico é feito em regime de rastreio, encontra-se assintomático, havendo séries nas quais esta percentagem atinge mais de 70% dos casos. Os sintomas de alarme mais comuns são a perda de sangue nas fezes (hematoquézia), variação dos hábitos intestinais entre períodos de diarreia ou obstipação, variação no calibre das fezes, dor abdominal e anemia por deficiência de ferro. Existem ainda outros sinais e sintomas, como a astenia, perda de peso, febre ou febrícula de origem indeterminada, que poderão indiciar doença disseminada à data do diagnóstico. Além disso, uma percentagem não desprezível de doentes são diagnosticados em situação de oclusão intestinal, obrigando a cirurgias emergentes, configurando casos normalmente com prognóstico mais sombrio.
VH | Quais são os fatores de risco associados ao cancro colorretal?
RF | São vários e podemos sistematizá-los em dois grandes grupos: aqueles que são inerentes ao doente e aqueles que são modificáveis. Assim, de fatores não modificáveis temos o avançar da idade, história familiar de CCR em contexto esporádico ou enquadrado em síndromes polipósicos familiares, a história pessoal de doença inflamatória do intestino ou a história prévia de pólipos do cólon e/ou reto. Já nos fatores que podemos ativamente modificar contam-se o consumo de álcool e tabaco, o sedentarismo e, por conseguinte, a obesidade e a síndrome metabólica. Os erros dietéticos, como o abuso nas carnes vermelhas, gorduras saturadas e escassez dietética de fibras, frutícolas e hortícolas, são também fatores predisponentes ao CCR perfeitamente resolúveis.
VH | O cancro do intestino tem origem, em cerca de 90% dos casos, numa lesão benigna (pólipo). Como são provocadas estas lesões?
RF | Os pólipos do cólon são formações que surgem na camada que reveste a mucosa do cólon. Alguns pólipos aparecem como protusões em forma de cogumelo suportadas por um pedículo (pólipos pediculados). Outros surgem como crescimentos aplanados da mucosa (pólipos sésseis). Os pólipos aparecem a partir de uma célula que apresenta uma anomalia genética, que pode ser esporádica ou hereditária (nos casos das síndromes polipósicas familiares), que prolifera e pode evoluir para cancro. De facto, embora a grande maioria dos pólipos seja benigna, estas lesões podem evoluir com o tempo, adquirindo um componente displásico, isto é, pré-maligno, que pode culminar em carcinoma (CCR). Existem várias teorias sobre a génese dos pólipos, bem como da eventual evolução até carcinoma, sendo esta uma área de intenso estudo na Gastrenterologia.
VH | Ao contrário da maioria dos outros tumores, cujo diagnóstico é possível apenas numa fase maligna (ainda que precoce), no caso do intestino, se um pólipo for retirado, o problema fica definitivamente resolvido. Assim, o rastreio é fundamental. Que métodos de rastreio existem?
RF | De facto, quando um pólipo é removido, eliminam-se as células que poderiam transformar-se em cancro e, como tal, o problema com aquele pólipo fica em grande parte dos casos completamente resolvido. Contudo, importa salientar que a partir do momento em que é excisado um pólipo, inicia-se de forma mandatária a organização de um plano de seguimento personalizado para esse utente, definindo o intervalo de tempo adequado para a repetição da colonoscopia. Quanto aos métodos de rastreio, dispomos desde meios clínicos, a laboratoriais, endoscópicos ou imagiológicos. O seguimento em cuidados de Saúde primários é a primeira linha de rastreio, feita por uma boa colheita de história clínica, identificando os fatores de risco predisponentes. Os métodos laboratoriais dizem respeito à pesquisa de sangue oculto nas fezes, que estão longe de serem infalíveis, dada a elevada taxa vários falsos positivos. A colonoscopia total assume, assim, um papel fulcral como método endoscópico de rastreio, uma vez que permite o diagnóstico e o tratamento no mesmo tempo. Como já foi mencionado, é o único exame de rastreio que permite excisar as lesões precursoras do cancro, alterando a história natural da doença. Além disso, com a melhoria gradual dos equipamentos e novas tecnologias de aprimoramento endoscópico torna-se cada vez mais fácil o manejo endoscópico das lesões precursoras de CCR. Existem ainda dois pontos quanto à colonoscopia de rastreio que importa salientar. Por um lado, o exame deverá ser mesmo total, isto é, chegar até ao cego e, por outro lado, deve ser realizado com uma boa preparação intestinal, por forma a limitar a falha de diagnóstico de lesões percursoras de CCR. Por último, existem ainda métodos imagiológicos, como a colonografia apoiada por tomografia computorizada. Este exame, através de uma TC realizada ao abdómen, permite observar o colon com acuidade semelhante à da colonoscopia clássica, mas não possui a capacidade terapêutica. Desta forma, se a colonografia mostrar alguma lesão o doente terá de se submeter a uma colonoscopia, havendo assim uma duplicação de exames. Ainda assim, a colonografia é muito útil nas situações em que não se consegue realizar uma colonoscopia convencional ou quando há preferência do doente.
VH | O tratamento do cancro colorretal depende do seu desenvolvimento quando é diagnosticado. Assim, o que se prevê no tratamento deste cancro?
RF | A estratégia de tratamento vai depender essencialmente do estadiamento da doença, ou seja, do grau de envolvimento local e sistémico (metástases). Assim, quando é efetuado o diagnóstico de CCR, o doente realiza uma bateria de exames para se perceber o estadiamento e assim direcionar a terapêutica que lhe será proposta. Dentro das opções terapêuticas, fazem parte a remoção por endoscopia, se tal for possível; a cirurgia, de parte ou a totalidade do cólon ou reto; tratamentos de quimioterapia e radioterapia, que podem ser antes e/ou depois da cirurgia. Pese embora o fato do tratamento de CCR assentar em recomendações internacionais, não podemos esquecer que cada doente é único e como tal o plano terapêutico deverá ser individualizado.
VH | Que atitudes devem ser adotadas no sentido da prevenção?
RF | Prevenir começa por alterar os fatores de risco modificáveis, alterando comportamentos, estilo de vida e dietas, que passam pela abstinência alcoólica e tabágica, por uma dieta mediterrânea, com elevador teor de fibras e baixo teor de carnes vermelhas, bem como pelo exercício físico regular. Contudo, e acima de tudo, a verdadeira estratégia de prevenção assenta no desenvolvimento de programas de rastreio centralizados e organizados, que já há décadas se demonstram custo-eficazes. Programas esses que devem ser implementados no nosso País com a máxima urgência e que deverão contemplar a realização de colonoscopia de rastreio, pelas suas características únicas de diagnóstico e tratamento.
VH | Há mais algum assunto que queira destacar?
RF | Realçar que o CCR é, de facto, um problema de Saúde pública, que poderemos alterar o curso da doença através da adoção de estilos de vida saudáveis e da implementação e adesão a programas de rastreio.